MINDHUNTER
Mindhunter, da Netflix, demonstra ter força para ser uma das melhores do ano.
Quando assisti Mindhunter pela primeira vez, há dois anos, achei que se trataria de uma série documental apresentando alguns dos maiores Serial Killers dos Estados Unidos.
No entanto, trata-se de uma série ficcional, mas com uma abordagem bastante técnica do estudo da psicologia e comportamento sobre este tipo de criminoso. Tem uma pegada de “True Detective”, da HBO, envolvendo muito mistério e investigação policial.
Nesta segunda temporada, assim como aconteceu na primeira, a série se baseia em uma história central, mas diversos outros casos vão permeando a narrativa, de forma a apresentar ao telespectador como este novo método de investigação foi criado. Assim, passamos a conhecer diversos assassinos em série que marcaram a história americana.
Este tipo de narrativa foi muito bem feita, pois ela se amarra ao eixo central. Por mais que o enredo principal vai crescendo com o passar do episódios, as suas “side quests” são desenvolvidas para se encaixar no conhecimento que se adquire para este desenvolvimento central.
Os personagens
Além da abordagem dos Serial Killers, a série aprofunda também na vida dos dois outros personagens principais. Se a primeira o foco foi, principalmente, no personagem Jonathan Groff, Holden Ford. A temporada girou em torno deste pois partiu de suas ações a ideia da criação do UCC (Unidade de Ciência do Comportamento). Assim, os personagens de Holt McCallany, Bill Tench e a de Anna Torv, a Dra. Wendy Carr, tiveram pouco desenvolvimento no início.
Já nesta segunda temporada o protagonismo recaiu sobre McCallany. Sua história carregada e tensa desta segunda temporada exemplifica bem a fragilidade do ser humano. Aquele pensamento de que “algo ruim que presenciamos jamais vai acontecer com a gente”, cai por terra para provar que as fatalidades não escolhem ninguém a dedo. Elas simplesmente acontecem!
A atuação de Holt McCallany, aliás, é digna de nota. Obrigado a ser o porto firme de todas as partes em que se vê envolvido, seja no trabalho ou em casa, percebemos que o seu Bill Tench flerta com a vontade louca de estourar e a necessidade de se manter pleno e seguro. É evidente que, quando está no trabalho, anseia por voltar para casa e, ao mesmo tempo quando em casa, o seu pensamento é também fugir dali. No entanto, ciente de suas responsabilidades, algumas exigidas pelos chefões do FBI, precisa se dedicar mais ao lado profissional, o que sobrecarrega sua esposa na obrigação de cuidar do filho.
Anna Torv, aos poucos, vai desenvolvendo a sua A Dra. Wendy Carr. Com um ar sempre profissional, colocando a lógica acima de tudo, finalmente se vê diante de um impasse pessoal e coloca seu lado sentimental mais em evidência. Uma briga difícil de lidar. Mesmo assim, a atriz se sai muito bem. Não é um papel fácil. Uma mulher, homossexual, pesquisadora, dentro de uma corporação extremamente machista no final dos anos 70. A tensão sempre surge, mesmo que sutil. A cena na casa do diretor Ted Gunn, em que ela é “levada” por este a conversar com um financiador do FBI não para apresentar seu trabalho, mas para servir de isca sexual. A interpretação de Anna, mantendo a compostura da personagem diante da humilhação é gratificante.
Holden Ford é o mesmo presunçoso e afobado da primeira temporada. No entanto, a vontade focada em resolver os casos e a indignação por ver a burocracia reinar quando se exigiria praticidade suprimem seus defeitos. Evidentemente Ford vive para o trabalho. Esta é sua vida!
Quanto aos secundários, o já citado diretor Gunn, interpretado por Michael Cerveris, merece destaque. A sua interpretação sempre nos deixa achando que há uma segunda intenção em suas ações – o que não seria de se espantar, já que dirige um braço importante do FBI. Albert Jones, como Jim Barney, também teve boa atuação.
Quanto aos “Serial Killers” apresentados, destaca-se Damon Herriman, como Charles Manson. Seu personagem se resume a verborragia exagerada, autoafirmação e egocentrismo. Damon se sai muito bem interpretando o assassino mais famoso do cinema (ele reprisa o papel no filme de Tarantino “Era uma vez em… Hollywood!”, mas as duas obras não tem qualquer ligação). A mente doentia de Charles Manson é muito bem exposta com Damon. E a cena, apesar de pequena, é impactante, e as diferentes reações de Ford e Tench diante demostra o que este sádico era capaz de fazer com as pessoas.
Mas o destaque, para mim, se chama Cameron Britton. Seu Ed Kemper apareceu apenas uma única vez, pouco antes da conversa dos principais com Charles Manson. Este pouco tempo é suficiente para demonstrar que a lucidez do personagem é assustadora. A maravilhosa atuação de Cameron na primeira temporada está ali, mesmo que por pouco tempo. O físico avantajado de Kemper, em contraste com sua gentileza e intelecto, nos faz refletir sobre a frieza destes criminosos.
O caso de Atlanta
É aqui que a coisa acontece. A temporada foca em vários casos de desaparecimento de crianças negras em Atlanta. A equipe do ECC precisa colocar em prática o que construíram na temporada anterior, e, assim, encontrar o culpado e encerrar os crimes que acontecem naquela população. Não é preciso dizer que a questão racial é importante aqui, tanto de forma sutil quanto de forma escancarada.
Ford é o fio condutor nesta etapa, já que foi por ele e seu instinto que levam o FBI a “se meter” nos casos. O caso apresentado não é simples, e formar um perfil do assassino, entre diversos atos que contrastam em alguns níveis, prejudica o andamento da investigação.
A comunidade é majoritariamente composta por negros e, mesmo elegendo um prefeito e um comissario de polícia também negros, a população atingida pela tragédia esbarra na politicagem que sempre os diminuiu pela cor da pele. Enfim, o caso se mostra somente mais uma chance dos poderosos manterem-se no topo, relegando aos comuns a falsa esperança de solução. Ou nem mesmo isso!
O que esperar?
Mindhunter já é, sem dúvidas, uma das melhores séries atuais. Espera-se que a Netflix mantenha-a na mesma pegada. Acredito que a terceira temporada, finalmente, tenhamos o desenvolvimento do assassino conhecido como BTK (Bind-Torture-Kill, ou seja, Amarrar-Torturar-Matar), já que esteve presente na primeira e última cenas desta temporada. O grupo do ECC começou a estudar o caso e, provavelmente, este será o caso principal da terceira temproada.