FILMES

O que achei de Ataque dos Cães

Quando Ataque dos Cães (The Power of the Dog, 2021) estreou na Netflix, já se esperava que seria sucesso pelo elenco e pela direção. Jane Campion é uma cineasta de primeira linha que, apesar de estar afastada há alguns anos, mostrou que ainda sabe muito bem o seu ofício.

Ataque dos Cães tem uma premissa simples. Dois irmãos que cuidam da fazenda da família. Os dois, interpretados por Jesse Plemons e Benedict Cumberbatch (este em uma de suas melhores atuações no cinema, se não for a melhor), possuem personalidades bastante contrastante, com Plemons, interpretando George, sendo um homem mais racional, tendo como função cuidar das finanças e da burocracia do negócio, além de ser mais gentil e polido em suas ações. Já Cumberbatch encarna Phil, o irmão truculento, que prefere o trabalho bração, lidando com os peões da fazenda e os animais, chegando ao ponto de não se importar nem mesmo com a própria higiene.

Apesar das diferenças de personalidades, o filme deixa claro que há uma boa elação entre os dois, cada um respeitando o espaço e a individualidade do outro. Até a introdução da personagem de Kirsten Dunst, a viúva Rose Gordon. George se apaixona por ela, enquanto Phil zomba de seu filho Peter (muito bem interpretado por Kodi Smit-McPhee), que é delicado e bem contrastante com o jeito “rústico e viril” que se espera de um homem no Velho Oeste.

Assim, traça-se uma rivalidade entre Phil e Rose, que se torna a linha motriz na condução do enredo.

ATUAÇÕES

Quando se fala em filme de Faroeste, é fácil lembrar das antigas obras entre “mocinho e bandido” e trocas de tiros de Sergio Leone e Clint Eastwood, por exemplo. Quem espera tal filme em Ataque dos Cães pode se decepcionar, pois o que conta aqui é o relacionamento dos personagens. O filme de Campion é quase um estudo de personalidade, e em como esta muda dependendo de como esta se altera em diferentes circunstâncias, apesar da característica principal de cada um sempre estar presente.

Confuso? Pode parecer, mas não é! O que quero dizer é que, por mais que tenhamos nossas próprias personalidades imutáveis, ainda assim podemos nos adaptar ao conviver com certas pessoas, mesmo que de forma sutil. Phil e Rose são caracteres perfeitos para esta definição.

Enquanto a mulher se deteriora ao ter que conviver com uma pessoa que não a aceita, chegando a se entregar ao alcoolismo, principalmente quando George está ausente por conta do trabalho, o outro ganha contornos mais complexos quando busca uma boa relação com o jovem Peter, o qual incomodava anteriormente.

Cumberbatch entrega uma atuação exuberante. Não atoa é um dos favoritos às premiações da temporada. Ele realmente parece ser o homem do campo que encarna, que não tem pudor ao lidar com as atividades do dia a dia. Sua falta de banho nada mais é que a necessidade de imersão na natureza que ama, possuindo os odores que a terra provê. Em dado momento do filme, ele está nu esfregando terra em seu corpo pouco antes de se jogar em um lago e se limpar. É a busca na simbiose com o natural.

A diretora Jane Campion, e os atores Benedict Cumberbatch e Kirsten Dunst

Outro destaque pe Kodi Smit-McPhee. Seu Peter é contido, mas sonhador. Deixa claro na abertura do filme que seu maior desejo é ver a mãe feliz, principalmente após a morte do país, que se suicidou. Peter cursa Medicina e visita a mãe durante o verão. No início ele sofre com o bullying de Phil e dos outros peões da fazenda, mas acaba conseguindo conquistar a confiança destes.

O que acontece é que Phil o vê em Peter, naquele momento de descobertas no “novo mundo”, e Phil percebe que pode ser para o garoto o que seu antigo tutor, conhecido como Bronco Henry, foi para ele.

DESENVOLVIMENTO

Fato é que os desdobramentos finais da obra podem pegar muitos de surpresa, e falo por experiência própria, pois não esperava tal desfecho. Mas isto até revisitar, mentalmente, todo o filme. A sensação de “como não noite isso antes?” é arrebatadora.

O filme de Jane Campion foi baseado no livro homônimo de 1967, escrito por Thomas Savage, e teve como sinopse oficial “Um fazendeiro durão trava uma guerra de ameaças contra a nova esposa do irmão e seu filho adolescente ― até que antigos segredos vêm à tona”. É muito simplista quando analisamos completamente o filme.

Algo que me vem à mente como base importante nas relações interpessoais dos personagens é a confiança, em como esta pode ser perdida facilmente, e também como esta pode ser manipulada, dando contorno obscuros em algo que parecia simples, e seguindo para outro lado.

Não quero entrar em muitos detalhes, mas o filme me conduziu para um final diferente do ocorrido, o que foi maravilhoso, e perturbador, perceber que eu estava errado. O uso da “confiança” na obra de Campion nos provoca esta mesma sensação, e subverte a nossa relação com o filme.

VALE A PENA?

Sem dúvida um dos melhores filmes do ano. Mesmo parecendo arrastando e lento em alguns momentos, estas são características que importam para a construção de toda a trama, deixando o público “confiante” quanto ao desenvolvimento daqueles personagens. E ser surpreendido no final foi uma das melhores experiencias que tive.

O filme no IMBd e no Rotten Tomatoes.