FILMES

O que achei de Duna

Duna é uma obra densa e gigantesca. Sua adaptação não é fácil, como David Lynch provou em sua versão de 1984. Houve outras, menos badaladas, mas igualmente fracassadas. Coube a Denis Villeneuve tentar novamente transformar o livro de Frank Herbert em um filme memorável. E ele conseguiu – pelo menos 50% dele!

Um filme bem delineado, não se preocupando em explicar os pequenos detalhes da obra de Herbert, mas deixando que o espectador descubra por si mesmo o funcionamento daquele mundo, foi uma sacada inteligente de Villeneuve. Assim, o diretor canadense conseguiu criar um filme com ação e drama, e mais, com a própria alma, sem se desgastar.

O QUE É DUNA?

Em resumo, a mitologia de Duna se passa no futuro, em torno de 10 mil anos, quando depois da revolução das máquinas, os humanos abandonam qualquer tipo de inteligência artificial. Muito das tecnologias, inclusive a existência dos chamados mentats (pessoas com inteligência avançada, como computadores vivos) necessitam de uma especiaria chamada de Mélange, um pó fino que existe somente em um planeta do império, o desértico Arrakis (por isso seu apelido de Duna – e aqui detalho que tratarei por “Duna” o filme ou livro e Arrakis o planeta, para não haver conflito).

A humanidade se espalhou em um império feudal, com criação de grandes casas. A duas principais para o enredo do livro e, consequentemente do filme, são as casas Atreides e Harkkonen. A casa Harkkonen, a serviço do imperador, foi responsável por anos do cuidado de Arrakis, e enriquecendo bastante neste tempo. Acontece que o imperador se sente ameaçado pelos Atreides, e trama uma forma de derrubá-los, aproveitando-se da rixa antiga destas duas grandes casas. Assim, o Duque Leto Atreides (Oscar Isaac) é nomeado como novo responsável por Arrakis, caindo em uma armadilha.

No filme não há muita explicação sobre esta trama entre imperador e os Harkkonen, nem mesmo muito detalhes de como tudo funciona, mas deixa claro desde o início a constante sensação de perigo que vivem os Atreides que são obrigados a aceitar o fardo de extrair a especiaria do planeta Arrakis.

Ao mesmo tempo, Paul Atreides (Timothée Chalamet), filho de Leto, cresceu sob os cuidados de sua mãe e concubina do duque, Lady Jessica Atreides (Rebecca Ferguson), aprendendo os preceitos da ordem da qual ela faz parte, as Bene Gesserit – uma organização feminina influente nas grandes casas, com habilidades sobre-humanas.

Lady Jessica busca que seu filho seja o “Kwisatz Haderach”, uma espécie de messias, que lideraria toda a humanidade. Este Messias é um conceito criado pelas Bene Gesserit, que passou milênios organizando cruzamentos entre as principais famílias do Império.

Assim, Paul tem duas grandes responsabilidades sobre seus ombros: ser o herdeiro do Conde Leto e de Duna, e o salvador da humanidade esperado pelas Bene Gesserit. Por conta de tudo isto, ele é treinado desde a infância, tanto em questões militares quando religiosas e filosóficas. Mas antes que possa dar qualquer rumo para a própria vida, acaba entrando no conflito contra os Harkkonen pelo planeta Arrakis.

Outra coisa importante a ser descrita aqui são a população original do planeta, os Fremen. Eles são capazes de sobreviver ao clima desértico do planeta, desenvolvendo tecnologias adaptadas, com foco na economia e reaproveitamento da água. Utilizam um traje capaz de coletar toda a água perdida por humanos durante o dia (literalmente tudo, desde o suor à fezes), filtrando-a para ser ingerida novamente. São também habilidosos no combate (odeiam todos os outros povos, sobretudo os Harkkonen, pois sempre foram maltratados porque cuidava do planeta). Outra característica dos Fremens são os olhos azuis, decorrentes da grande quantidade de especiaria que ingerem.

Paul também é visto como um salvador pelos Fremen, até por influência das bene Gesserit. Eles passam a chamá-lo por Muad’Dib.

Tudo que descrevi de forma tão breve aqui não passa de uma sombra do que realmente estes termos criados por Herbert significam. Mais informações podem ser coentradas facilmente pela internet, como aqui.

SOBRE O FILME

Pelo pequeno resumo anterior, percebe-se que muitos conceitos seriam complicados de se desenvolver no filme. Por isto a escolha de Villenueve foi acertada, focando logo na história e desenvolvimento de seus principais personagem e, também, em Arrakis.

O filme expões as informações ao mesmo tempo que se desenvolve a ação. A própria chegada de Paul em Arrakis, com tudo que envolve seu futuro e retratado durante o desenvolvimento da trama, sem paradas para diálogos expositivos. Para se ter ideia do tamanho da obra concebida por Herbert, até mesmo os pensamentos dos personagens são descritos. Toda esta adaptação seria complicada.

As escolhas de Villenueve não deixam de demostrar a grandiosidade de todo o universo original. Tudo que há em Duna é imponente, e profundo, e podemos sentir isso constantemente, desde a logística da mudança de planetas, forma como as pessoas vivem em Arrakis, até os famosos vermes da areia. Aliás, a forma como o verme aparece pela primeira vez é arrebatadora e impressionante.

As questões técnicas como fotografia, direção e arte e figurinos foram concebidos de forma a se mesclar no que se espera em um filme desta magnitude. Combinam bem com o clima seco e árido do lugar no qual se passa, mas também com o destino das pessoas envolvidas na história. A trilha sonora, e na verdade todos os efeitos de som, é sensacional e ajuda a conduzir o espectador naquele clima de urgência que o filme necessita.

Quanto aos atores, por mais que Paul seja o personagem central da história, aqui ele não é o protagonista de fato, mas seu pai. São as ações de decisões de Duque Leto que fazem a trama rodar, a atuação de Isaac é competente como sempre. Chalamet vive um Paul não muito expressivo, mas acredito que é o necessário para alguém jovem ainda se descobrindo, mas que se abre nos momentos certos. A lady Jessica de Ferguson é bastante convincente, e a atriz consegue entrar o ponto entre a seriedade e obrigações de sua posição, e o amor cuidados de uma mãe.

Além dos três, o elenco de Duna está recheado de grandes atores: Josh Brolin, Stellan Skarsgard, Dave Bautista, Charlotte Rampling, Stephen McKinley Henderson, Zendaya e Javier Bardem. Mas o que se destaca é Jason Momoa, sempre carismático e preciso em seus papeis, concede ao seu personagem, Duncan Idaho, uma afeição inata, tanto de Paul Atreides quanto de nós, espectadores. Vale dizer que, em quase duas horas e meia de filme, apesar de vários personagens, todos são bem representados.

Zendaya e Javier Bardem tem pouco tempo de tela, sendo importantes para a parte final do filme e, com certeza, na continuação. Sim, o livro original de Frank Herbert será dividido em dois filmes. E isso me pegou de surpresa enquanto eu assistia o filme, e digo que, apesar da frustração inicial que isto me causou, fiquei feliz em entender que está foi a melhor decisão, uma vez que toda a história poderá ser mais bem contada assim.

Para mim Duna foi uma experiência muito boa. Tinha ressalvas por conta da versão de Lynch, e preocupado que o filme poderia ser estender em explicações demais, mas nada disso aconteceu. Espero ansiosamente a segunda parte, já confirmada para 2023.