O que achei de Assassin’s Creed: Valhalla
Por muito tempo a saga Assassin’s Creed foi a minha favorita. A temática de exploração histórica, com a jogabilidade “stealth” e de “parkour”, poder entrar em sair de algum local sem ser detectado, por exemplo, foi uma das coisas que mais me atraíram na franquia. Lembro que o primeiro que joguei foi o Brotherhood. Assim que vi a cinemática, me apaixonei. Haviam anos que não tinha um videogame e acabei me apertando e comprando um Xbox 360º na época muito por causa deste jogo.
Joguei todas as edições desse então. Mesmo depois que transformaram completamente a franquia com a edição Assassin’s Creed: Origens, que passou a ser mais um RPG, eu acompanhei. E gostei muito, mesmo perdendo a essência que me conquistou. A mudança veio em boa hora, já que os jogos estavam muito repetitivos.
Então, Assassin’s Creed: Valhalla é a terceira edição após a mudança de gênero. Mas foi a primeira a buscar um pouco mais dos elementos dos Assassin’s clássicos, como a própria habilidade de “steath” mais efetiva e de assassinato (voltamos a ter a Ordem dos Assassinos de fato, mesmo que usem um nome diferente).
Que jogo é este?
Como o nome sugere, o jogo se passa durante as invasões nórdicas na Inglaterra, a chamada “Era Viking”. Esta é uma temática em alta na cultura pop ultimamente. Então, a minha expectativa estava elevada para Valhalla (apesar de saber dos problemas que os jogos da Ubisoft sempre apresentam).
O jogo oferece tudo que poderíamos querer ver em uma comunidade viking (chamá-los-ei assim para melhor situar, apesar de viking não ser um povo propriamente dito). Tem ainda um protagonista carismático (você pode definir o sexo do seu personagem no início do jogo, ou deixar que o jogo escolha para você, mas o nome será o mesmo: Eivor), que gosta de beber, lutar, de poesia e tudo o mais. Você tem acesso a diversas armas, equipamentos e pode personalizar seu personagem como quiser, desde as roupas quanto as tatuagens.
O seu objetivo inicial é sair da sua terra natal, Fornburg na Noruega, e conquistar seu espaço na Inglaterra, lutando contra os exércitos do rei Alfredo de Wessex. O embate religioso entre pagãos e cristãos também está presente. Você precisa, aos poucos, fazer missões em diferentes territórios, ajudar os representantes destes locais para conseguir a sua confiança e aliança. Neste tempo você tem diversos locais de interesses, como “mini-missões” para ganhar prata (a moeda do jogo) ou habilidades. Mas ainda existem muitas atividades paralelas, como pescar, caçar, ter romances. Todas as tarefas são bem simples, mas ainda assim divertidas. Para evoluir seu personagem, existe uma árvore de habilidades que explora três diferentes seguimentos. No início pode parecer complicada, mas é bem fácil de lidar. Não influencia tanto assim no personagem, para ser sincero, talvez somente nas primeiras horas de jogo.
Você começa também em um pequeno assentamento com alguns membros do clã que o seguiram desde a Noruega e vai desenvolvendo-o na medida que conquista áreas novas, invade locais específicos, etc. É uma das coisas mais divertidas Assassin’s Creed: Valhalla.
Como é de praxe nos jogos da franquia, existem também muitas figuras históricas, como o próprio rei Alfredo, os filhos de Ragnar Lothbrok, Ubba, Ivar, Halfdam, o rei nórdico Guthrum, entre outros. Também tem deuses do panteão nórdico (que aparecem em certa situação).
Para zerar, eu completei por volta de 110 horas de jogo e nem mesmo percebi. O mapa é gigantesco e muito vivo. E é tudo muito bonito. Se tem uma coisa que a Ubisoft sabe fazer bem é criar seus mundos. Cada paisagem pode ser um papel de parede de computador ou um quadro.
Outra coisa a se elogiar é a dublagem e localização. Outro ponto forte da Ubisoft. Todas as falas, até mesmo do NPC mais insignificante em conversas paralelas, estavam na nossa língua, com sotaque brasileiro. Vez ou outra escutava uma voz em inglês, mas somente em vozes genéricas que não interferiam no jogo.
Mas, como nem tudo são flores, enfrentei alguns problemas com o jogo, que irei dividir de duas formas: problemas de desenvolvimento e problemas e enredo, este que me decepcionou bastante.
Problemas do Desenvolvimento
Bug e mais bugs. Sim, já era esperado e eles estavam lá, desde a primeira jogatina. São bugs desde um simples NPC que aparece do nada, que afunda no cenário, ou paisagens que demoram a renderizar, quanto o famoso “crash”. Em alguns momentos Eivor morria do nada. Lembro que estava cavalgando para chegar a um certo objetivo e aparecia Eivor caindo do cavalo morta (joguei com a versão feminina, definida para mim pelo jogo). Bizarro! Em outro momento não consegui pular um muro baixo, ficando travado, mas ao mesmo tempo escalava uma parece gigantesca.
Quanto ao “crash”, o jogo exige muito do PS4 (console que utilizo), mas mesmo em momentos em que não há tanta exigência, sem motivo algum, o jogo travava e fechava. Por “sorte” eram momentos que eu já havia jogado algumas boas horas e estava prestes a desligar, mas, se havia uma relação desses “craches” com o tempo de jogo, eu não acredito. Quanto aos problemas de renderização sim, acredito que também seja culpa do console.
Mas nada disso que incomodou, na real. Pois, apesar de tudo isso, conseguia voltar normalmente para o jogo e, quando acontecia os problemas, estes também não interferiam diretamente na jogabilidade.
O pior problema, para mim, foi no enredo.
Problemas de Enredo
Nesta parte haverão SPOILERS, fique avisado!
A história é simples, mas cativante. Eivor fica órfã durante uma invasão de uma tribo inimiga. Seu pai morreu covarde, como os vikings consideravam, pois se entregou para salvar seu clã, ao invés de lutar até o fim (salvar vidas parece importante para nossa sociedade, mas morrer em glória de batalha era muito relevante para eles). Ela, então, foi adotada pelo rei da região.
Contextualizando, era muito comum os líderes de comunidades se chamarem reis, e ainda haver um rei soberano sobre estes outros reis.
Quando, então, o pai adotivo de Eivor decide se tornar submisso ao rei superior, Sigurd, seu irmão e filho legítimo do tal rei, sabendo que perdeu a herança real, decide se voltar para a Inglaterra e conquistar terras, construir sua própira história. Seguir os passos que um dia o lendário Ragnar tomou. Eivor o acompanha, desejando o mesmo.
Mas antes mesmo de sair de suas terras em direção à Inglaterra, a Ordem dos Assassinos, chamada de Ocultos neste jogo, aparece como amigos de Sigurd. A ordem explica que, na Inglaterra, há um grupo rival chamado de Ordem dos Anciões (que ficam implícito que é uma predecessora da Ordem dos Templários). Eivor, apesar de perceber que o líder dos Ocultos influencia bastante Sigurd, é incumbida de ajudar a derrotar tais Anciões (o que é meio óbvio, já que ela é a protagonista do jogo. Este fato é relevante pois contribui para as minhas insatisfações).
Durante o jogo, Sigurd passa a acreditar ser mais que um humano, ser um deus como Odin, Thor ou Loki. Esta crença é reforçada por Basim (líder dos Ocultos) e aumenta quando Sigurd é levado como refém por uma das principais antagonistas do jogo e membro influente da Ordem dos Anciões.
Pode-se perceber que tem algo estranho com Basim, que ele possui segundas intenções nas atitudes de Sigurd. Na verdade isto fica bastante evidente por diálogos no jogo. Mas é aquilo, o game é Assassin’s Creed, ele é o líder desta ordem que sempre vimos como os “mocinhos” a história, daí se deixa levar, já que ele também quer, de toda forma, a libertação de Sigurd.
Portanto, no decorrer do jogo, você “liberta” toda a Inglaterra da influência tirânica de Alfredo e conquista alianças em todos os territórios para, finalmente, conseguir salvar Sigurd do cativeiro.
Primeiro grande problema (SPOILERZAÇO): Existe um personagem que é muito fiel ao Sirgurd. Ele é membro da sua tripulação (você tem um barco com guerreiros vikings que te auxilia a navegar pelos diversos rios) e está somente abaixo de Sigurd e Eivor na hierarquia da comunidade. O personagem te ACOMPANHA em todas as tarefas, em todas as batalhas para conseguir alianças com objetivo de resgatar Sigurd, e mesmo assim ele diz que você “não está fazendo nada para resgatar o líder do clã”. Não faz sentido nenhum isso! O ápice é quando ele te confronta e te desafia pelo comando enquanto Sigurd está fora, utilizando este argumento fajuto. Eu estava tão puto em ver isso que aceitei o desafio e matei o personagem neste desafio. Houve um diálogo fraco em seguida entre Eivor e este personagem e pronto, vida que segue. Sério, foi broxante!
Seguindo o jogo, você finalmente resgara Sigurd (e para isso derrota o exército de Alfredo e conquista a Inglaterra com o rei Guthrum ao se lado). Existe mais de um final, como aconteceu em Assassin’s Creed: Odissey, dependendo de algumas de suas atitudes durante o jogo. Antes do final, haverá um momento em que Sigurd pede para que você o acompanhe de volta à terra natal deles para, finalmente, entrar em Valhalla, lar dos heróis que caem em batalha na mitologia nórdica (já que, como dito, ele acredita ser um deus e, assim, merecedor de tal glória).
Aqui, falarei das minhas decisões que, novamente, não fazem sentido nenhum com o esperado por todo o enredo do jogo. Aviso de novo que tem SPOILERS.
Existem várias decisões que você tem que tomar durante o jogo, mas, pelo que percebi (e pode ser que outros tenham passado despercebidos), existem três momentos relevantes que definirão as falas finais e destinos de Eivor e Sigurd.
A primeira é quando vocês estão saindo de Fornburg, depois do primeiro arco do jogo, em que Sigurd pergunta se devem levar os pertences do pai dele e cabe a Eivor decidir se sim e não. O que me incomodou não foi a escolha, mas Sigurd te acusar, depois do retorno à cidade na passagem final, de VOCÊ ter roubado o pai dele ao escolher levar as coisas (e foi ele que pediu sua opinião quanto a isso). Fiquei com cara de “ah?” quando isso aconteceu.
A segunda ocorreu quando conhecemos a futura sequestradora de Sigurd. Esta mulher finge ajudá-los na busca de um artefato que o mesmo Sigurd acredita que lhe será útil para ascender como um deus. Logo depois que a sequestradora se mostra uma traidora e há uma batalha, Basim (o líder dos Ocultos) fala algumas coisas que irritam Eivor, e você precisa decidir se vai agredi-lo ou não. Eu agredi, claro, porque ele estava em um nível sem comum de influência sobre Sigurd, que agia o tempo todo como louco. De certa forma eu entendo aqui que o certo era manter a calma, mas não fazia sentido com o contexto, uma vez que fica claro a influência do líder dos Assassinos sobre o outro. Na conversa do fim do jogo, Sigurd percebe que foi influenciado e mesmo assim acusa Eivor de agir sem pensar (agiu mesmo, é verdade, mas o contexto pedia outra coisa). Enfim, essa eu relevo.
Já na terceira e última, Eivor assume um julgamento a pedido da esposa de Sigurd. Ela alega que Sigurd (que é o líder do clã) está indisposto e Eivor, como a segunda em comando, precisa exercer aquela função. Pois bem, no momento que você irá dar a sentença, Sigurd aparece puto com a sua atitude e te acusa de querer tomar o lugar dele (o que só faz sentido ele pensar assim pois parece que está louco, com a ideia de ser um deus). Você, então, tem a opção de concordar ou discordar da sentença dele, que, obviamente, é absurda. Discordei! Novamente o que me desagradou é quando se passa a conversa no final do jogo e aqui ele se queixa de não ter seu apoio, mesmo ele assumindo sua loucura. Faz sentido? Não!
Enfim, estas três decisões me levaram para o final ruim. Achei, desculpe a palavra, uma merda, pois foge completamente do enredo que estava sendo criado. Sigurd diz que Eivor não está preparada para ser uma líder (e pela conversa Eivor concorda), mas deixa ela voltar sozinha para o assentamento na Inglaterra e liderar o clã (???). Esta afirmação do Sigurd é ainda mais estranha em contrapartida a dos vários aliados de Eivor, que a elogiam durante o jogo exatamente por sua capacidade de liderar seus homens. Em um momento, inclusive, o rei Guthrum, que antes a achava arrogante, reconhece o valor de Eivor. Não dá para entender, sério!
A última coisa que me incomodou profundamente foi a forma rasa com que resolvem a situação do líder da Ordem do Anciões. SPOILER GIGANTE. Para surpresa de ninguém (que avançou um pouco no jogo), o líder da Ordem é o próprio rei Alfredo. Conhecendo a história do rei, que é bastante rica (e se você acompanhou séries como Vikings, The Last Kingdom ou leu as Crônicas Saxônicas, ou se ao menos viu o perfil dele na Wikipédia, saberá disso) vê que ele é o libertador e unificador da Inglaterra e, assim jamais poderia ser o vilão da história.
O maior desejo do verdadeiro rei Alfredo era unificar os 4 reinos, Wessex, Ânglia Oriental, Mércia e Nortúmbria para criar o que é hoje a Inglaterra. Apesar de isso acontecer somente no reinado de seu neto, é ele quem inicia este objetivo e impede que os nórdicos tomem seu país de fato. Seus feitos contra as invasões vikings são muito relevantes para a história, tanto que ele é considerado o primeiro rei do país (mesmo sem a Inglaterra como é hoje não existir, de fato, naquela época) e um santo.
A cagada da Ubsoft aqui, para mim, foi exatamente fazê-lo ser o “grande vilão” envolvido com a Ordem, porque, para não estragar a imagem do real Alfredo, criam um clichê raso. No jogo, ele herda esta posição de seu irmão (que foi rei antes dele) e de seu pai. Ele não concorda com os passos dos Anciões e deseja destruí-los por dentro (méh!). Obvio que você não o mata. Como eu disse, ele é um herói inglês. Você o encontra algumas vez no jogo (e até o ajuda a destruir membros da Ordem) e mais para o final ele explica esse “plano mirabolante” para Eivor quando está escondido no interior do país, após de ser derrotado pelos nórdicos.
Acredito que, esta visão de Alfredo pode ser aceita pois você é Eivor, um personagem de origem Nórdica, que acredita estar libertando a Inglaterra da tirania de Alfredo. Mas a conclusão, as ideias do rei em como acabar com a Ordem que ele era líder e muitos outros movimentos durante o jogo acabaram em desalinho com o contexto que o próprio enredo propunha.
Para mim, teria sido muito mais agradável a Ubisoft ter deixado ele como o “vilão dono de exércitos” e um outro inimigo ser o Chefe da Ordem. Por mais que a personalidade de Alfredo seja evidente que ele jamais seria manipulado facilmente, as disputas internas na Inglaterra da época, com a igreja e riquezas influenciando, poderiam ser o foco da Ordem dos Anciões (como o próprio jogo apresenta várias vezes, mas não aprofunda). Ou ainda, podia ter colocado um nórdico (Guthrum talvez) como o líder. Enfim, seria uma decisão mais satisfatória!
Aliás, todas as tramas de influência, que poderiam dar um tom mais “Game of Thrones” ao jogo, são facilmente resolvidas, sem nenhuma dificuldade. Até mesmo descobrir quem é inimigo da Ordem ou quem não é chega a ser patético de tão simplista (chegando ao absurdo de a silhueta na aba dos membros da organização ajudar a identificar o vilão, mesmo quando várias missões são necessárias para isso).
Contextualizado com a história real novamente, aqui vemos que Alfredo foi derrotado, portanto, os Vikings dominaram a Inglaterra. Isso aconteceu por um breve momento, mas Alfredo conseguiu reunir novamente seu exército e retomar, aos poucos, região por região (o que é bem descrito nos romances de Bernard Cornwell que citei antes, Crônicas Saxônicas). Foi a única vez que a Inglaterra passou perto de ser extinta de vez. Isso jamais aconteceu novamente!
Vale a pena, afinal?
Bom, me estendi demais, mas queria deixar claro o quanto o jogo me deixou insatisfeito com suas decisões finais, principalmente depois de tantas horas me divertindo (e relevando os bugs). É uma experiencia divertida sim, afinal das contas, dá pra sentir um pouco da vida e cultura desse povo (tem momentos de viagem a Asgard e Jotunheim, tem a muralha de Adriano, Stonehenge e vários outros círculos, menção a Robin Hood, equipamento do deus Thor, visita uma comunidade na América do Norte com nativos…) e muitas coisas diferentes para fazer que ficariam impossíveis de comentar aqui.
Vale a pena jogar? Sim! Se você for fã da franquia como eu, com certeza. Pode ser que sua experiência seja melhor que a minha, no final das contas.