O que achei de Eternos
Chloé Zhao é uma grande diretora, ganhadora de vários prêmios, inclusive do Oscar. Quando anunciaram que ela comandaria um dos filmes mais esperados do Universo Cinematográfico da Marvel, muita expectativa se criou. Viria ali mais um filme autoral, que poucos tem permissão para fazer com estes personagens (e poucos mesmo, somente Taika Waititi e James Gunn tem esse poder)? Infelizmente não foi o caso.
Eternos é um bom filme, gostei mais do que esperava, mas segue a mesma linha da maioria dos filmes da Marvel. Por mais que vejamos o dedo de Zhao em alguns momentos, fica a sensação de que ela foi podada, que poderia ter feito mais.
O PLOT
O filme acompanha uma raça alienígena que chegam à Terra para guiar a humanidade e protegê-la dos Deviantes, uma outra raça que deseja exterminar os humanos. São 10 personagens no total, cada um com suas características únicas. Um grupo heterogêneo de atores foram chamados para os papéis, com nomes grandes como Salma Hayek e Angelina Jolie.
Para a humanidade, os Eternos seriam como deuses. No decorrer da história, fizeram parte da evolução de diversas civilizações, como da Babilônia na Mesopotâmia, do Império Gupta na Índia e o Império Asteca, nas Américas.
Após milhares de anos da luta entre os dois grupos, os Deviantes são extintos. Desta forma o trabalho dos Eternos é encerrado. Somando-se a isso alguns conflitos entre os membros, cada uma parte para sua própria jornada pessoal em meio à população, infiltrando-se entre os humanos e vivendo escondidos entre eles.
Eternos é uma jornada que tem em Sersi (Gemma Chan) sua principal personagem. Ela e sua companheira Sprite (Lia McHugh) são as primeiras a serem atacadas por um novo Deviante. Junta-se a ela Ikaris (Richard Madden). Assim, constatando o reaparecimento da raça que eles acreditavam ter exterminado, os três partem em busca dos antigos companheiros e em uma forma de lidar com a antiga ameaça.
DESENVOLVIMENTO
Comentarei três pontos negativos que mais me incomodaram neste filme.
Como qualquer filme que conta com um grupo grande de personagens, Eternos sofre com a falta de desenvolvimento da maioria deles. Todos os membros do grupo têm suas próprias características, suas próprias personalidades, e fica evidente que necessitariam de mais do que o tempo de tela para mostrar as camadas que formam pessoas tão complexas.
Alguns dos personagens não tem função nenhuma na trama e caso não fizessem parte do filme, não fariam falta alguma, como Gilgamesh (Ma Dong-seok), que não passa de um monte de músculos. A Makkari (Lauren Ridloff) é outra que não tem qualquer relevância e poderia muito bem te rum desenvolvimento interessante, já que é uma personagem surda. Ok, os dois podem ser contrapontos para outros dois personagens, como o primeiro para a Thena (Angelina Jolie) e a segunda para Makkari (Lauren Ridloff), mas tudo não passa de sugestão, pelo pouco que fazem quando tem tempo.
Aliás, você ter uma atrás do tamanho de Angelina Jolie e não dar qualquer desenvolvimento a ela é um absurdo. A sua personagem sofre de uma condição chamada Mahd Wy’ry, na qual começa a perder suas memórias devido à sua imortalidade, e isso causa um comportamento impulsivo. A explicação é frágil e sem maiores consequências.
Outra cosia que me incomoda muito, e isso demonstra em como a Marvel tem tratado com superficialidade e pressa os seus personagens é ignorar o peso que eles carregam com suas experiências. O mesmo sentimento me acometeu sobre o Loki em sua série solo. A Marvel, talvez para tornar mais leve o tom e agradável ao grande público, transforma seres antigos em pessoas simples, como se a vivência de séculos, milênios, não fizesse diferença alguma no crescimento de uma pessoa.
Temos que lembrar que os Eternos chegaram à Terra há cinco mil anos, mas este peso do tempo não parece recair sobre eles. Suas ações no filme, e até o conhecimento que parecem possuir é limitado. Vivem em função do pouco que acreditam, sem questionar a obrigação de suas funções. Aliás, somente quando Sersi recebe uma nova função dentro do grupo, decorrente de um acontecimento relevante, é que alguns deles passam a questionar a sua própria existência.
Vamos pegar a Sprite como exemplo: ela é uma Eterna que vive no corpo de uma adolescente. Seu maior desejo é “crescer”, para não ser vista pelos adultos como uma criança, o que faz todo sentido. No entanto, muitos de seus atos condizem mais com o de uma adolescente, e não a de uma “senhora” milenar.
Outra coisa que me chamou a atenção é a desculpa dada por não enfrentarem o Thanos, a maior ameaça do Universo até então. De acordo com Sersi, eles foram orientados a não intervir diretamente em questões da humanidade, para que pudessem progredir com “as próprias pernas”.
No filme, por vezes, vários deles se dizem apegados aos humanos, inclusive este sendo o motivo da reunião do grupo para lidar com a ameaça do fim do planeta. Eu entendo que eles não tenham intervindo nas guerras mundiais, ou nas milhares de outras guerras em que os humanos lutaram entre si durante estes cinco mil anos, mas Thanos era uma ameaça externa que pretendia acabar com toda a humanidade, se fosse necessário (ou metade dela, no caso). A batalha do primeiro filme dos Vingadores, por exemplo, não era algo somente dos humanos, foi provocada por um “deus” de outro lugar do Universo. Se Loki ou Thanos tivessem conseguido cumprir seus objetivos em definitivo, os seres humanos não teriam a sua evolução interrompida?
“Eles sabiam que os Vingadores dariam conta”, alguém pode dizer. Seria um bom argumento, se tivessem desenvolvido isso, com uma visão de Ajak (Salma Hayek) ou explicação de algum dos Celestiais. Mas a “desculpinha” que a Marvel usou não cola.
Por fim, o último ponto foi a falta de maturidade que o filme carrega. Colocar uma “cena” de sexo pode parecer um amadurecimento, mas passa longe disso quando vemos a introdução de um casal homossexual, no qual Phastos (Brian Tyree Henry) faz parte, ser colocado de forma forçada na obra. A Marvel tenta ser inclusiva, mas o faz com medo do mercado cinematográfico, já que é evidente que ela toma todo o cuidado de não ser expositiva demais em temas que podem ser sensíveis em certas regiões do mundo. Algo como Otávio Ugá comentou em sua crítica no Super Oito: “Cenas fáceis de cortar para agradar aos públicos em que este conteúdo não é aceito”.
PONTOS POSITIVOS
“Mas como eu disse no início do texto que gostei do filme, se somente fiz críticas?” eu realmente gostei. Eu não desgosto dos filmes da Marvel, pois eles trazem boas novidades ao universo que eles criaram a cada obra. E como tudo é unificado, a gente gosta de ver o impacto no todo. E Eternos tem esse impacto.
Além do mais, o filme tem boas entregas de boa parte do elenco, mesmo com o pouco de tempo que eles possuem. Gemma Chan está muito bem como protagonista. E o Kingo (Kumail Nanjiani), que é meu personagem favorito no filme, é bastante divertido, com Nanjiani entregando o humor e drama necessários para construir seu herói.
Quanto as questões técnicas, os efeitos especiais estão bons, apesar de notarmos algumas inconsistências aqui e ali, como em vários outros filmes do MCU. Eu gosto das cenas de lutas, com cada um utilizando os seus poderes de forma consistente.
Os mentos em que Zhao tem para entregar seu brilhantismo eles aparecem, como nas longas tomadas mostrando o Eternos lutando juntos, ou quando apresenta uma região nova. Mas, infelizmente, é só.
CONCLUINDO
Eu queria, sim, um filme menos expositivo e mais introspectivo. Com questões filosóficas mais aprofundadas. Estes personagens mereciam isso, mas é uma pena que a Marvel não deixa.
O filme no IMDb e no Rotten Tomatoes.